quarta-feira, 14 de outubro de 2015

PELA JANELA DO QUARTO

 
Da janela do hotel, ela fitava as ruas Viamonte¹ e Paraná e não via nenhuma pessoa, nenhuma vivalma... O frio era protagonista dos dias que se sucederam a sua estadia. O céu completamente fechado e a chuva fina e “insistente” deixavam-na um pouco paranoica. Na frente, havia um prédio, mas, ninguém olhava na janela, observou que nono andar havia alguém – não conseguiu distinguir pela silhueta se era homem, mulher ou uma criança vendo televisão – aqueles programas enfadonhos. Aquela situação estava a consumindo, como o fumante consome o seu cigarro. As lembranças da terra com o céu azul e com poucas nuvens, do calor e do encontro dos rios a faziam sorrir num momento de lucidez, mas, tão acabava de sorrir e o surto voltava novamente, entretanto, a única pessoa que poderia perceber o lugar paralelo em que se encontrava, estava dormindo... No outro canto, tinha outro prédio antigo e muito rico em detalhes, se prendia aqueles detalhes rebuscados na tentativa vã de imaginar quem vivera ali e como tinham vivido... Será que eram felizes? Ou será que tiveram um desatino?Oh meu Deus! Isso é um sonho? Que vontade de gritar bem alto...

¹ Viamonte é uma rua da Cidade de Buenos Aires - Há vários casarões antigos e nas proximidades, observa-se uma grande quantidade de pequenos teatros.

segunda-feira, 29 de junho de 2015

O contraditório em sentir que algo é e não é ao mesmo tempo...
o mais dolorido é o pertencimento e ao mesmo tempo, em momentos de lucidez observar 
tudo o que está posto não faz parte de você, como se fosse algo substituível ou que
se emoldura pra tornar o lugar mais belo
diante de tanta racionalidade, ordem e chatice.

terça-feira, 23 de junho de 2015

VACAS PROFANAS

Sem teu hálito escarrado na vogal
da palavra
repita:BOCETA
sem que cada letra
atravessasse povoado da vergonha
arrastada pelo braço
Repita:BOCETA
quantas vezes preciso
BOCETA
afrouxe o dente serrado
não convém os olhos vendados
a escuridão espreitada ao lado
e nem diga como se cada vogal
estivesse ali pra ser violada
repita Amigo, não tenha medo
BOCETA.

(Antônia Muniz)

quarta-feira, 10 de junho de 2015

CARTA PARA HONEY B.


Santarém, 07 de setembro de 2015.

Honey B,

Dias chuvosos são muito peculiares, em particular, a preguiça e a melancolia me assaltam. Ultimamente, venho fazendo uma retrospectiva, paulatina, desde que sai de Belém há um ano e alguns meses. Tive muitas experiências, ora alegres, ora estressantes, ora tristes... Conheci pessoas maravilhosas, outras desprezíveis... Nesse caminho reencontrei outras da minha infância, adolescência e até dessa fase juvenil... A perseverança me acompanha há tempos, contudo, ás vezes, ela some num piscar de olhos, e é onde a minha aflição começa... Tenho receio de abandonar tudo que já construí pelo simples motivo de ratificar o que o Senhor Tempo me mostra e eu não quero aceitar – até quando irei aguentar a minha pressão e a dos outros? E as comezinhas do cotidiano? – Essas já estragaram muito a nossa relação (sem culpados disso e daquilo... isso é enfadonho). A certeza é que se um dia eu voltar pra cidade das mangueiras não é porque eu deixei de te amar, mas, porque estamos em dimensões temporais diferentes.

PS: Amo-te, Flor.

PS 2: E Que engraçado, ouvi no rádio aquela música “ O Tempo” dos Móveis Coloniais que transcrevo na íntegra:

A gente se deu tão bem
Que o tempo sentiu inveja
Ele ficou zangado e decidiu
Que era melhor ser mais veloz e passar rápido pra mim
Parece que até jantei
Com toda a família e sei
Que seu avô gosta de discutir
Que sua avó gosta de ouvir você dizer que vai fazer

O tempo engatinhar
Do jeito que eu sempre quis    (Refrão)
Se não for devagar
Que ao menos seja eterno assim

Espero o dia que vem
Pra ver se te vejo
E faço o tempo esperar como esperei
A eternidade se passar nos dois segundos sem você
Agora eu já nem sei
Se hoje foi anteontem
Me perdi lembrando o teu olhar
O meu futuro é esperar pelo presente de fazer

(Refrão)

Pra mim, pra mim
Laiá, lalaiá

Se o tempo se abrir talvez
Entenda a razão de ser
De não querer sentar pra discutir
De fazer birra toda vez que peço tempo pra me ouvir

A gente se deu tão bem
Que o tempo sentiu inveja
Ele ficou zangado e decidiu
Que era melhor ser mais veloz e passar rápido pra mim
Eu que nunca discuti o amor
Não vejo como me render
Ah, será que o tempo tem tempo pra amar?
Ou só me quer tão só?
E então se tudo passa em branco eu vou pesar
A cor da minha angústia e no olhar
Saber que o tempo vai ter que esperar
(Refrão)


quarta-feira, 18 de março de 2015

ADEUS

As relações afetivas são muito complexas - um momento amamos uma pessoa e em outro a odiamos - é dialético, pois, lá na frente há a possibilidade de um reencontro (que não é necessariamente afetivo, mas, de amizade ou coleguismo) ou o total desprezo...
Débora pensava nessa dialética, e foi quase inevitável não rememorar o seu relacionamento de 05 anos com John - os sonhos, as desilusões, as traições dele...
Na época da traição dele, não conseguiu o confrontar...eram namorados desde que ela tinha 17, ele tinha 19 - Débora, a princípio, pintou uma tela de que eles ficariam juntos até a velhice...
O relacionamento estava em crise!
John era um cara meio " deixa a vida me levar", sem muitos planejamentos...era brilhante, mas, estava frustrado com as perspectivas de sua profissão - estudava jornalismo!
Débora saiu a noite com algumas amigas para desabafar e se divertir - A Praça do Carmo estava lotada! Lá esbarrou com Marcos - um carinha por quem teve uma paixão platônica, mas, por ser mais velho, a esnobou.
Cumprimentaram-se..
Débora já meio entorpecida, olha furtivamente para a mesa de Marcos, e antes dele perceber voltava a atenção para as amigas...Meia hora depois, pediu licença a elas: - Meninas, vou bem ali fumar. Já volto!
Atravessou a praça, a rua e se encostou no muro e ali mergulhou em si mesma que nem percebeu quando Marcos se aproximou...
- Que susto, Marcos
- Desculpa, Débora...tu não viste eu me aproximar?
- Não...
- Quanto tempo, hein? - disse Marcos
- É faz mesmo...lembrei agora de quando tu me esnobava ( risos)
- Ah! menina para com isso...
- Como tá lá em Minas?
- Muito trabalho...é uma cidade muito bonita, mas, sinto saudades de Belém.
- Hum!!

E conversaram sobre muitas outras coisas...Débora fumou quase um maço inteiro

- " Déboraaaa, vamos amiga? gritou Aline.
- Já tô terminando! Pera só um pouquinho, Aline, por favor!
- Tchau, Marcos. Sucesso.

a noite estava fria, tal qual a vida dela...um abraço...um arrepio!

- Ei, espera - gritou Marcos
- oi? O quê? perguntou Débora

Um beijo...Uma transa...algo passageiro...

Não aguentou e contou a John que no auge do orgulho ferido a humilhou, chegando a dizer que só voltaria a namorar se fossem morar em outra cidade, pois, estava marcado pela desonra. Sem condições de reagir, calou-se diante das barbaridades...

Terminaram...

Hoje, depois de muitas experiências, com mais idade, com mais "leituras" do mundo e de conhecimento - quando lembra deste episódio, pensa que teria tido outra atitude: teria dito pouca e boas ao John, mas, a vida não é feita de "se"...Por muito tempo aquela cicatriz que o Machismo de John fez em seu coração doeu e sangrou muito...

"o passado é uma roupa que não nos serve mais"...é isso mesmo, Belchior..."obrigada"

- Adeus, John!


domingo, 1 de fevereiro de 2015

Acordei apressada,pois, não ouvira o despertador. Olhei para o lado e ele já havia saído, mas, seu perfume ainda enebriava o quarto. Água gelada como alfinetes no corpo para realmente acordar. Ao abrir o guarda-roupa dele fui sobressaltada por um sentimento forte de raiva, frustração e estresse - estava tudo bagunçado! Será que ele falou comigo pela manhã? Não o ouvi ou  talvez tenha balbuciado algo...eu materializei a cena: ele muito irado bagunçando o guarda-roupa. Vi um bilhete na máquina: " - Fui para Óbidos. só voltarei na semana que vem. Fique bem! Desculpe-me!".
Estou pisando num território minado, a qualquer momento eu posso explodir...antes espero ter tempo de deixar um bilhete " Explodi, te amo. Adeus!"